Um Arranjo de Flores Secas

Yan Sales
3 min readSep 4, 2021

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Passei por aquela floricultura em Botafogo.

Conclui que o nosso amor seria como um arranjo de flores desidratadas: lívido, mas duradouro. Tal como um buquê preservado, sacrificamos a exuberância da efemeridade apenas para afastar o perecimento. Ao menos duradouro era para sermos. Tinha tudo para ser. Eu estava bem até então. Afinal já se vão cinco anos. Tamanha foi a porrada do tempo a ponto de nem ser capaz de identificar o marco inicial da minha indiferença. Você poderia estar aqui, caminhando de mãos dadas comigo, pouco se fodendo para qualquer comentário de quem estivesse empenhado em macular nosso alto-astral. Você era ótimo em manter-se positivo. É por isso que eu te amava. Amava o seu poder, a sua capacidade de afastar a minha antes inarredável impressão de que todo mundo estava contra nós. E talvez eu estivesse certo, não fosse mera impressão como você insistia.

Não que agora houvesse algo a se fazer.

Queria ter tido coragem de encarar Deus e o mundo com você; aí eu chegaria em casa você estaria me esperando para o banho, como fazia quando dormia aqui, ou na sala comendo qualquer besteira da praça Nelson Mandela. Sentaria do seu lado para reclamar dos barulhos que você fazia ao engolir a bebida. Aquele sofá se tornou o maior do mundo graças à minha covardia. Eu garoto bobo, trêmulo de tão inseguro e apaixonado, malgrado a minha indecisão a que o medo me obrigou. Mas tu era homem feito. Tua mulher entenderia, já que tão bem te conhecia, imagino; teus pais, apesar dos pesares, pesares militares, pesares cristãos, pesares retrógrados de um modo geral, haviam de entender também. Quanto à filha que tu deixou, ela haveria de entender. Nada que uma terapia não resolvesse. A brusquidão da sua partida prova a eficácia da terapia, isso porque hoje ela sorri.

Tínhamos o direito de oficializar o que já se arrastava por trás das altas horas e das falsas viagens havia anos. Eu esperava obstáculo de muitos, mas não de você; por isso não suportei o peso da surpresa que me trouxe.

Raiva de mim. Raiva de você por não ter insistido e por ter desistido tanto de nós quanto principalmente de você, justamente quando achava que os eixos teriam alinhamento em favor da nossa união. Pareceu, porém, que você buscou alguma diversão na minha broxada. Raiva de tudo, afinal, já que tudo conspirou em desfavor e no fim acabou nos derrotando com a sua renúncia. Mas é certo que, principalmente, muita raiva de mim. Jamais poderia imaginar o estrago que um joguinho psicológico poderia causar na vida de alguém. Se não fosse a minha pirraça corriqueira, eu poderia ter chegado bem na hora, bem de surpresa, e impedir seu ato derradeiro. Talvez um mero adiamento, mas tu não faz ideia do que eu daria por uma sobrevida da sua companhia, mais ainda nesses tempos em que todos nós trabalhamos por dois ou três, com comida e distração para menos de um, e já faz tempo que não tenho seu calor terapêutico.

O maior intervalo entre as lágrimas não traduz esquecimento. Comprei esse buquê de flores secas e vou batizar com seu nome. Aquela minha amiga que você odeia segurou o riso quando disse a ela. Agora entendo seu ranço. E esse arranjo lívido e duradouro, como nós poderíamos ter sido, vai para casa comigo.

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